domingo, 24 de junho de 2012

Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação


Contrariando a vontade que é a de falar de absolutamente nada, queria renegar a existência cultural de alguém que se digne a divagar e debater sobre essas novas modas que são os filmes de conluio entre essas bestas assassinas imortais pintadas de todas as cores, com deuses nórdicos e homens verdes de raiva. Mais do que isto, é debater as diferenças entre estes filmes e os tão em voga do “Batman”. Sobre este último não há muito a dizer, de algo bem feito não se faz algo relevante. A forma não se sobrepõe ao conteúdo por muito adornado que este esteja. Ainda mais do que isto é pensar que entre o argumento de “Os Vingadores” e a novela de sábado à tarde vão só umas piadas mais trabalhadas, mas igualmente desconcertantes por falta de originalidade. Juntamos isso e uns pontapés que custam milhões a fazer e toda a gente vai ver. E vai daí, eu pensava que como estes homens já fazem isto há tantos anos, já tinham refinado a técnica. Qual é o meu espanto ao ver que, mesmo escrevendo o mesmo argumento durante tanto anos, uma e outra vez, este continua cheio de inconsistências e falhas que só fazem sentido se pensarmos que eles andam a fazer de nós burros. Não só para mim, que parto do princípio de não me quererem satisfazer a alma, mas a todos os que gostam e até adoram estas personagens e deliram com frases feitas e lutas espaciais. Como dizia no início, debater o que resultou ou não nestes filmes, fazer comparações entre eles, é um trabalho muito coincidente com o de fazer uma antologia de Marco Paulo e comparar o seu trabalho mais antigo ao moderno, se bem que, em verdade, ele neste momento faz odes ao Danacol.

Mais do que isto ainda, sinto-me estarrecido pelo que Scorsese anda a fazer. Vai, não vai, encontro pessoas a dizer o quão genial é a rodagem do filme e como ele caracteriza de uma maneira tão especial os primórdios do cinema. Não é ciência aeroespacial, sendo “Hugo” (não me importa se “Cabret” ou não) o filme que é, passando-lhe toda a redundância por cima, continua a ser, um zero tão absoluto no cinema que eu até tinha achado mais piada se ele tivesse posto um ecrã preto durante hora e meia e dissesse que estava a tentar recriar o fim do universo, que seria um zero bem mais interessante. Mais do que isso, é a noção do zero absoluto, que se lhe enquadra perfeitamente, já que passa pelo conceito de que nenhuma partícula se moveria sobre tais condições. O extraordinário é que isto é supostamente impossível, mas este homem consegue fazê-lo.

Passo a explicar minuciosamente que sem argumento não há contestação possível. O rapaz órfão que é muito humilde e espetacular e que passou por todas as dificuldades do mundo, a miúda que o vai ajudar a fazer o que ele tem de fazer, o velho rezingão que afinal se vai transformar uma pessoa bondosa e a personagem de alívio cómico mais abominável que eu já vislumbrei. Nenhum destes personagens consegue ser mais do que o lugar comum de um lugar comum. Mais do que isso, Scorsese nem sequer conseguiu ou quis disfarçar isso. Mais um pouco e até digo que o senhor Sacha Baron Cohen dá um papel deplorável sobre um personagem que se assemelha a um preconceito mal construído por piadas baratas e humor físico de um nível que se esperaria do teatro de revista português. Passando à história, que depois de visto o filme desejei que fosse mais um “Oliver Twist” com o Méliès metido à conversa, esta extrai-se de uma maneira muito hollywoodesca de um livro, que deve ter em comum com o filme o que o Demolition Man teve com o “Admirável Mundo Novo” do Aldous Huxley. Mais valia terem deixado o homem em paz na sua cova em vez de o obrigarem a contorcer-se cada vez que o Stallone entorta a boca e deixá-lo por creditar, pois não creio que alguém conseguisse visualizar semelhanças entre o livro e o filme a não ser um dos nomes que por lá é dado. Esta obra de Scorsese torna-se tão rebatida e extraordinariamente pouco esforçada em atingir originalidade que estou em vias de a classificar como remake universal, e com muita má consideração pelos seus predecessores, de todas as histórias sobre órfãos e meninos em desgraça que atingem e sonham com o sucesso que já houve por aí. 

E agora entramos no extraordinário mundo novo das rodagens elaboradas também fazerem de um filme cinema. Que mentira mais alta que esta se levante. Atingir efeitos especiais alucinantes ou conseguir fazer com que os cenários voem e façam piruetas, não faz mais por um filme do que adicionar preguiça ao imaginário de diretores e espectadores que por abnegação da história do passado já não querem outra coisa. Mas no mais recente filme de Scorsese nem sequer é isto que acontece, ele fez um filme em 3D com a ideia fixa de o usar com todo o seu potencial, e no final, com o que ficamos são meia dúzia de imagens de ponteiros de relógio do tamanho da torre Eiffel e a própria torre, que também não está muito favorecida. Mais que isso, usou um shot contínuo na última cena, que mais não fez do que acabar uma história muito medíocre com uma espetacular demonstração de que se as personagens não têm profundidade, se a história não é trabalhada e se os atores não são por aí além integrados na personagem, não há imagem que valha ou milhões que cubram. É como se estivesse apenas a pensar como poderia fazer a primeira coisa que lhe passou pela cabeça, sem passar mais tempo a pensar como poderia fazê-la melhor. Passando ainda mais pela ideia de que Einsenstein consegue extrair mais significado e mais interpretação de cada imagem do “Battleship Potemkin” do que este homem numa cena inteira, e o Einsentein ainda trabalhava com máquinas que não tinham muita vontade de se mover, pelo menos de forma tão ágil e sem qualquer tipo de efeito especial. 


Chegamos ao fim e encontramos a cena final do “Transformers 3”. E a partir daqui não há mais nada que se possa fazer ou dizer. Apenas um homem com milhões e milhões de dólares para montar um filme com robôs gigantes que lutam e dizem frases feitas enquanto o mau muito mau é eletrocutado. E o brilhante herói robô ainda diz de tão magnânima maneira, já sem o braço esquerdo, como o próprio deus, “eu não te traí, tu traíste-te a ti mesmo”. Tentem, se for possível, encontrar algo neste filme que não tenha sido já visto em mais dez ou vinte filmes que já eram maus por si. Tentem, também, explicar-me o porquê de havendo milhões e milhões de dólares para fazer coisas espetaculares, como filmes mais ou menos bons ou tirar a fome a meninos de áfrica que só comem moscas, dão que seja meio tostão a este homem para fazer seja o que for, nem que seja respirar. 

Se o mundo é este, se a esperança é esta, que se dane a cultura e a bonomia e a capacidade racional do ser humano. Que se danem todos os que conseguem fazer. Vamos todos gostar dos “Tranformers” e aceitar que o Scorsese é que percebe disto, afinal ele até é conceituado, ou pelo menos parece.