domingo, 13 de maio de 2012

A Morte da 7ª Arte (Variação Impossível)


Esta foi a última Morte escrita.

Buena Vista Social Club

Para começar seria necessário dizer que numa época conturbada como esta, em que se percebe que a humanidade brinca com a democracia e co-existe num domínio financeiro de não-eleitos que já dominam o poder legislativo, pretendo desejar um bem-haja a todos os que pagam um bilhete de cinema para perpetuar um sistema onde o dinheiro se sobrepõe à cultura e não nos permite ser um pouco como o sonho Islandês. Um mundo onde as chapadas de um cientologista ressoam mais que a música etérea dos Sigur Rós não merece mais do que aquilo que já tem. Por isso peço a todos os que se insurgem que percebam que a causa não está no sítio onde uma pessoa vive e não consegue dinheiro para ter uma casa em condições, mas sim no sistema que permite que a sua vida seja uma inutilidade ignorante. O Rubén González e o Ibrahim Ferrer viveram a maior parte da sua vida na miséria e não deixaram de ser aquilo que eram, ninguém lhes pode tirar a música que fizeram, ninguém lhes pode tirar a obra que os perpetuou.


Quando me leio, parece que estou sempre a tentar explicar a mesma coisa, mas acho que a minha mensagem ainda não passou. Vou, por isso, tentar levar-vos por outro caminho e peço-vos só que pensem um pouco nisto: se juntarem um monte de fotografias do Man Ray e as puserem a passar num ecrã durante uma hora e meia no silêncio total, essa hora e meia terá muito mais valor do que quase todo o cinema atual. O que é que nisto é menos ou mais relevante do que qualquer crise financeira? E que custo teve? Virtualmente ínfimo e ao alcance de quase qualquer um.

O argumento de que qualquer tipo de arte tem de ser sustentado, e que isso só pode ser feito pelo dinheiro das massas é completamente irrealista. Em primeiro lugar é um insulto às massas, um insulto perfeitamente aceite, já que aceitam ver qualquer porcaria que tenha sido feita para lhes retirar dinheiro a troco de estupidificação. Em segundo é uma mentira, porque o dinheiro ganho com isto nunca sustentou nada a não ser os bolsos cheios de poucos e ainda mais estupidificação de muitos.

Já se sabe que o cinema independente se chama independente por isso mesmo. E não confundam, não quero dizer que este cinema independente não crie das peças mais pretensiosas e vazias de conteúdo que possam ser visionáveis, mas isso há-as em todo o lado. Basta um pouco de ego e sai por aí um Somewhere. Mas uma coisa é fazer-se algo que pretende ser relevante, julgar se o é ou não cabe a quem se achar de competência para tal, mas fazer algo propositadamente mau para ganhar dinheiro é de certa maneira um crime apenas não punível por lei porque as pessoas se deixam roubar (de ideias e de dinheiro).

07

A única diferença entre o Madoff e o Spielberg é que o que o Spielberg fez não o levou à prisão. E vocês poderão dizer que o homem até fez dois ou três filmes mais ou menos (e até os posso nomear: A Lista de Schindler e o Império do Sol). Contudo há coisas que são completamente imperdoáveis, como pegar num conto de K. Dick e fazer o Minority Report ou parir o Inteligência Artificial, ou mesmo fazer com que pessoas de bem gostem tanto de filmes como o Parque Jurássico, ou do Indiana Jones porque dizem que, em criança, os fazia sonhar. Mas isso também faziam os digimon e não vejo ninguém a defendê-los como sendo inapagáveis do seu papel tão relevante na história da cultura cinematográfica. E vocês pensarão que isso não é nada comparado ao Madoff. Não se esqueçam que este homem começou a sua vida sendo um salva-vidas na praia e a instalar sistemas de rega. Quando chegou a rico foi considerado durante muito tempo (até ver a rua através de barras de metal) um génio financeiro por tudo o que caminhava em Wall Street. E este homem começou a roubar dinheiro muito depois de o Spielberg começar a roubar inteligência às pessoas. Ele pode ter levado o mundo a um colapso financeiro, mas o vazio ideológico é muito pior. Percebam isso como um crime também, tal como o é impedir uma criança de ter educação. Já o disse tantas vezes, mas volto a dizer, a perpetuação do preconceito é a perpetuação da estupidez.

Também isto pode ser explicado. O preconceito leva à ideia de que nada mais é preciso ser pensado, que algo já está completamente definido. E será desta forma, a partir desses dogmas, que cada uma das pessoas nas quais eles se implantarem, se tornará, por imposição, numa pessoa limitada em ideias e muito aquém das suas capacidades. E digo isto com a maior das esperanças de fazer com que alguém me perceba e nunca com o objectivo da provocação.

Espero que também desta vez se lembrem de usar uma das coisas que no meu texto digo não pretender fazer ou que não penso, para me criticar a dizer que o faço ou penso. Afinal é assim também que se perpetuam as más ideias cinematográficas, e apenas poderão demonstrar um pouco mais o meu ideário. Sei que dizer isto já é revelar um pouco o que espero, mas penso que nem assim conseguirei evitar que aconteça, de uma maneira ou outra, por escrito ou não.

PS: A culpa não será toda de quem faz os filmes, mas também de quem pode conscientemente dizer que não e quebrar a corrente. Nem que sejam apenas cinquenta pessoas das centenas que vão a um cinema por semana, essa margem já é suficiente para exigir algo de melhor, nem que seja só nessa casa de espetáculos. Perceber que passar determinado filme quer dizer mais cinquenta pessoas no cinema chega para muito. E muito mais se este processo se repetir em todos os cinemas. Aos que podem perceber isto como sendo ligeira ou completamente verdade, digo-vos: vocês são responsáveis por todas as vossas acções, aquilo que vocês querem que se perpetue ou não é da vossa inteira responsabilidade.

O Primeiro Momento

Vou dedicar este primeiro momento a explicar a existência destas publicações. Este blogue segue-se ao projecto que eu tinha num blogue amigo chamado "A Morte da 7ª Arte" (para todos os que quiserem, estes textos encontram-se lá publicados, em A Morte da 7ª Arte ou aqui mesmo, pela ordem em que saíram, mas sem os comentários que os adoçam), e que acabou por diferenças variadamente indefinidas. Os textos da Morte acabaram mesmo por morrer, mas a ideia existente neles, essa, comprometo-me a continuá-la, por a achar relevante e com a esperança de que alguém a ache necessária.